por Laurent Schang
"Para o soldado - escreve Philippe Masson em L'Homme en Guerre 1901-2001 - para o verdadeiro combatente, a guerra se identifica com estranhas associações, uma mescla de fascinação e horror, humor e tristeza, ternura e crueldade. No combate, o homem pode manifestar covardia ou uma loucura sanguinária. Encontra-se sujeito entre o instinto pela vida e o instinto mortal, pulsões que podem lhe conduzir à morte mais abjeta ou ao espírito de sacrifício.
Há alguns meses apareção a última edição francesa de A Guerra como Experiência Interior, de Ernst Jünger, com prefácio do filósofo André Glucksmann, na editora de Christian Bourgois, a qual de uns anos para cá se especializou na tradução da obra jüngeriana. Um texto verdadeiramente importante, que vem completar oportunamente os escritos bélicos já aparecidos do escritor alemão, Tempestades de Aço, O Bosque 125 e Tenente Sturm, obras de juventude que os especialistas de seu legado poliédrico consideram ao mesmo tempo os mais vindicativos, passos iniciais de suas ulteriores posições políticas e, ao mesmo tempo, anunciadoras do Jünger metafísico, explorador do Ser, confidente da intimidade cósmica.
Voluntário desde o primeiro dia em que se desencadearam as hostilidades em 1914, ferido catorze vezes, titular da Cruz de Ferro de Primeira Classe, Cavaleiro da Ordem dos Hohenzollern, e da Ordem "Pour le Mérite", distinção suprema e nada habitual, Ernst Jünger publica a partir de 1920, por conta própria e, como ele se jactará em mais de uma ocasião, "sem intenção literária alguma", Tempestades de Aço que o lançam subitamente, frente às memórias lacrimosas dos Barbusse, Remarque, von Unruh ou Dorgelès, como um náufrago inclassificável, um colecionador tanto de revelações ontológicas como de feridas psíquicas e morais. André Gide e Georges Bataille acreditaram no gênio.
Uma Teoria do Guerreiro Emancipado
Considerando não ter alcançado completamente seu objetivo, em 1922 publicou Der Kampf als inneres Erlebnis, A Guerra como Experiência Interior, que dedicou a seu irmão Friedrich Georg, também destacado combatente e escritor: "A meu querido irmão Fritz em memória de nosso reencontro no campo de batalha de Langemarck". Divide seu manuscrito em treze pequenos capítulos, marcados pelas memórias de sua guerra, aos quais entitula sem rodeios: Sangue, Honra, Bravura, Lansquenetes, Fogo, ou inclusive Velada de Armas. Nem uma só evasiva na pluma de Jünger, nem um só arrependimento: "Há tempo suficiente. Para toda uma camada da população e acima de tudo da juventude, a guerra surge como uma necessidade interior, como uma busca da autenticidade, da verdade, da conquista de si mesmo (...) uma luta contra as taras da burguesia, o materialismo, a banalidade, a hipocrisia, a tirania". Estas línhas de W. Deist, extraídas de seu ensaio Le moral des troupes allemandes sur le front occidental à la fin de 1916", nos revelam o essencial de Jünger recém concluída a Grande Guerra.
A leitura do prefácio de André Glucksmann deixa transluzir seu ceticismo em relação à legitimidade do romance. "O manifesto, novamente reeditado, é um texto louco, porém em absoluto a obra de um louco. Uma história cheia de ruído, de furor e de sangue, a nossa". Aferrando-se aos triviais clássicos do gênero, o filósofo relega o pensamento de Jünger a uma simples prefiguração do nacional-socialismo, construindo uma artificiosa comparação entre Der Kampf... e Mein Kampf. E se anota acertadamente que o lansquenete dessa obra o Trabalhador de 1932, não deixa de restringir a obra de Jünger à exaltação da radicalidade, do niilismo revolucionário (citando confusamente a Malraux, Breton e Lênin), a união do proletariado e da raça sem distinguir a distância jüngeriana da sede de sangue e do ódio que nutrirão o fascismo, o nacional-socialismo, e o bolchevismo. Ao pretender moralizar uma obra essencialmente situada mais além de toda moral, Glucksmann acaba por desnaturalizar a Jünger e passar longe em relação a sua mensagem profunda.
O Inimio, Espelho da Própria Miséria
Lá onde Malraux percebe o "fundamental", Jünger adverte "o elemental". O adversário, o inimigo, não é o combatente que se esconde na trincheira do fronte, senão o próprio Homem, sem bandeira, o Homem sozinho frente a seus instintos, ao irracional, despojado de todo intelecto, de toda referência religiosa. Jünger lavra ata dessa cruel realidade e a torna sua, se conforma e retrata em suas páginas aqueles valores novos que emergem, terríveis e salvíficos, na linha de um espírito muito próximo a Teilhard de Chardin quando escrevia: "A experiência inolvidável do fronte, a meu ver, é a de uma imensa liberdade". Homo metaphysicus, Jünger canta a tragédia do fronte de batalha e coloca poesia ao império da bestialidade onde séculos de civilização vacilante sucumbem diante do peso dos assaltos em onda e do fracasso dos bombardeios. "E as estrelas que nos rodeiam se escurecem em sua fogueira, as estátuas dos falsos deuses acabam em pedaços de argila, e de novo todas as formas prefiguradas se fundem em mil fornos incandescentes, para ser refundidas em forma de valores novos". E neste universo de furor planificado, o mais débil deve "perecer", sob o aplauso de um Jünger darwinista convicto que contempla como renasce o homem em sua condição primigênia de guerreiro errante. "Assim será, e para sempre". Na luta paroxística que travam os povos sob o mandato hipnotizador das leis eternas, o jovem tenente dos Stoßtruppen adverte o aparecimento de uma nova humanidade, consciente da medida de sua própria força, terrível: "uma raça nova, a energia encarnada, carregada ao máximo de força".
Jünger lega ao leitor algumas das mais belas páginas sobre esses homens que, como ele, sabem-se em liberdade condicional, e não deixam de se sentir vivos cada vez que amanhece: "Tudo isto imprimia ao combatente das trincheiras a marca do bestial, a incerteza, uma fatalidade elemental, uma circunstância onde pesava, como nos tempos primitivos, uma permanente ameaça (...) Em cada funil de no man's land, um grupo de gaiatos acabava sendo uma brusca carnificina, uma explosiva orgia de fogo e sangue (...) Saúde em tudo isso? Contava para todos aqueles que esperavam uma longa velhice. (...) Cada dia que respiro é um dom, divino, não merecido, do qual é necessário gozar de forma embriagadora, como se tratasse de um vinho excelente". Assim, submerso no torvelinho de uma guerra sem precedentes, total, de massas, no qual o inimigo não é tanto na medida em que defende uma pátria adversária, senão como obstáculo à realização própria - espelho da própria miséria, da própria grandeza - o jovem Jünger, de fato, questiona a herança da Aufklärung (Iluminismo), seu sentido da história, seu mito do progresso, para pressentir uma pós-guerra na qual uns poucos se baterão por um ideal, soldados nietzscheanos filhos dos hoplitas de Salamina, das legiões de Roma e das mesnadas medievais aos quais se acrescentam a ética da moderna cavalaria, "o martelo que forja os grandes impérios, o escudo sem o qual nenhuma civilização sobrevive".
Um sentido do Homem mais elevado que o que confere a nação
Jünger conhece o horror ao quotidiano, aborda sem descanso e o assenta sem concessão alguma sobre o papel - "Se reconhece entre outros o odor do homem em decomposição, pesado, enjoativo, toscamente tenaz como cola (...) ao ponto de que os mais comilões perdem o apetite" - porém, diferente dos destacamentos que conformarão as vanguardas fascistas dos anos vinte e trinta, não hasteia nem ódio nem nacionalismo exacerbado, e sonha, ao contrário, com pontes entre as nações estendidas por homens feitos com o mesmo molde de quatro anos de fogo e sangue, e que respondem às mesmas querências viris: "O país não é uma consigna: trata-se de uma pequena e modesta palavra, o punhado de terra onde a alma se enraiza. O Estado, a nação, são conceitos desbotados, porém se sabe o que querem dizer. O país é um sentimento que as plantas são capazes de sentir". Longe de toda xenofobia, vomitando a propaganda que atiça os ódios fáticos, o "gladiador" Jünger, amante da França e para o qual é tão ruim o estouro de uma granada como ser insultado de boche, se proclama próximo aos pacifistas, "soldados da idéia" que ele estima por sua grandeza de espírito, sua coragem para sofrer mais além dos campos de batalha, e seu conceito de Homem mais elevado do que aquele que se nutre da nação. Sonha, longe da calmaria, a nova união dos lansquenetes e dos pacifistas, de D'Annunzio e Roman Rolland. Efeito das bombas ou profetismo iluminado, A Guerra como Experiência Interior toma aqui uma dimensão e uma ressonância infinitamente superiores às dos outros testemunhos de pós-guerra, que prefigura em forma de filigrana o Jünger do seguinte conflito mundial, o da Paz.
O que torna boa a existência
"A guerra me mudou profundamente, como fez, estou convicto, com toda minha geração"; mais ainda, "seu espírito está entre nós, servos de sua mecânica, e da qual jamais poderemos nos desembaraçar". Toda a obra de Jünger está impregnada da seleção arbitrária do fogo que cortou aos povos europeus e deixou sequelas irreparáveis na geração das trincheiras. Não se pode compreender O Trabalhador, Heliópolis, Tratado do Rebelde, sem penetrar na formidável (no sentido original do termo) limpeza cultural, intelectual e filosófica que foi a "guerra de 14": talho radical em relação às esperanças com as quais o século XX havia nascido.
Aquilo que outorga força a Jünger, sua peculiaridade estranha em meio ao caos consiste em não se resignar e persistir em pensar sobre o homem livre, por cima da fatalidade - "que nessa guerra só experimenta a negação, o sofrimento e não a afirmação, o movimento superior, a aura vivida como escravidão. Ele a terá vivido desde fora e não desde o interior". Enquanto que André Glucksmann se perde em um humanismo beato e dilui seu pensamento em um moralismo fora de lugar, Jünger nos ensina o que faz boa a existência, sua qualidade de ilusória.
"Parece evidente - escreve o acadêmico Michel Déon - que Jünger não esteve nunca fascinado pela guerra, senão todo o contrário, pela paz (...) Sob o nome de Jünger, não observo outra divisa que esta: "Sem ódio e sem censura" (...) Se tratará em vão de encontrar uma apologia da guerra, a sombra de uma fanfarronada, o menor lugar comum sobre a resposta de uns povos expostos ao fogo e - mais ainda - a busca de responsabilidades nos três conflitos mais nomeados que, desde 1870 a 1945, colocaram a França contra a Alemanha".
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