O paganismo caracteriza-se fundamentalmente pela compreensão intuitiva da ordem intrínseca da realidade, ordem fundada sobre uma rede de correspondências que ligam o corpo, a alma e o espírito de cada homem, sujeito dos fenómenos (microcosmos), a uma ordem cósmica, ou ordem dos fenómenos exteriores ao sujeito (macrocosmos). Esta ordem inerente, chamada Rita entre os indianos, Asha entre os iranianos, Cosmos entre os gregos, tem um prolongamento na sociedade humana, chamado Dharma na índia, pelo aspecto ético, e Varna pelo aspecto social, ou ainda, simbolizado nos gregos por uma deusa da medida e da equidade, Némesis.
Um dos maiores símbolos desta ordem é o Zodíaco, aquele que todos conhecem, mas também o Zodíaco das runas, ou o das posições da lua, que sobreviveu na Índia, fazendo referência a múltiplos processos concomitantes, de ordem temporal, mas também atmosférica, mental, social, recordando que os grandes deuses exprimiam uma ordem exterior assim como interior, uma ordem cósmica assim como social, ignorada pelo monoteísmo simplista. O método comparativo aplicado sobre os textos védicos, por um lado, e os textos tradicionais mais tardios da Europa por outro lado, mostrou que os indo-europeus colocaram no centro da sua religiosidade uma cosmologia que permitiu a prosperação de numerosas cosmogonias.
E o interesse da tradição védica é precisamente ter sido um notável repositório desta antiga religiosidade. Um sanscritista como Jean Varenne demonstrou que estas cosmogonias podiam classificar-se de acordo com as 3 grandes funções dumezilianas, porque existe nos textos védicos cosmogonias descrevendo o aparecimento do mundo pela acção da palavra sagrada, com a fórmula “abrir a montanha pelo brado sagrado para libertar a luz escondida” ou pela acção guerreira do campeão dos deuses, Indra, contra potências de reabsorção e aprisionamento, ou pela acção de um demiurgo construtor e organizador, como Vishvakarman. Esta cosmologia, da qual encontramos traços em todos os povos de origem indo-europeia, é extremamente antiga, remonta a uma comum pré-história. Tem o lugar que ocupa a escatologia nas grandes religiões abraâmicas, que têm por corolário um tempo linear e orientado.
Ao contrário, no paganismo o tempo é cíclico, existia mesmo um culto do ano com um ritual muito preciso e, paradoxalmente, é possível atingir a imortalidade justamente transcendendo os ciclos, o que é impossível e impensável com um tempo linear. O pano de fundo destas cosmogonias é o mesmo das cosmogonias gregas: a água, sob a forma do oceano e dos rios celestes que lhe estão associados, forma o elemento primordial do qual surgiu o mundo. Do céu superior os deuses zelam pela manutenção da Ordem da qual conhecem os segredos, às vezes pela razão mas também pela vontade. Daqui resulta um modo de existência, uma forma de estar no mundo, que se caracteriza por múltiplos aspectos bem salientados por centenas de autores sobre o assunto.
Os poderes da vontade
O reconhecimento dos poderes da vontade, para o qual foram concebidos vários exercícios espirituais, simples e eficazes, baseados na meditação, no controlo do corpo, no domínio dos sentidos, na magia e na prece, cujo objectivo é afirmar um potencial de espiritualidade, que se eleva em direcção ao sagrado e se fixa sobre as suas simbolizações múltiplas. Todos estes exercícios espirituais, potentes e eficazes, emanam da visão pagã e devem ser dirigidos em relação a objectivos bem determinados, como várias flechas certeiras sobre um alvo. É o que haviam observado os Antigos, que ergueram um deus por cada força da natureza, por cada potência cósmica, por cada manifestação proveniente dos mistérios divinos, por cada virtude moral.
O primado da energia sobre a palavra
O reconhecimento do primado da energia sobre a palavra: a meditação, a oração e a intercessão são actos mágicos dos quais ignoramos ainda toda a força. A psicanálise caracteriza parcialmente este processo comparando-o ao fenómeno físico da sublimação. É uma fonte incomparável que é preciso saber dirigir sintetizando as energias. O cristianismo, como todas as religiões abraâmicas, coloca a ênfase sobre a palavra revelada, sobre um logos que seria criador, sobre a Lei e sobre o Amor, resumidamente, todo o tipo de processos que podem perpetuar-se sem fim e desligados da realidade.
O reconhecimento da arte como via de acesso ao divino: Sobre todas as suas formas, pela concretização do ideal, do belo, do sublime, não somente nas suas expressões religiosas mas também profanas. A escultura, a arquitectura, a pintura, a dança, a música, a poesia, a filosofia, o desporto, toda a actividade resulta mais ou menos da inspiração do divino, do sagrado, no que o homem pode de melhor e mais elevado. O artista ou o artesão, ou, o que é mais difícil hoje em dia, o trabalhador, o cidadão, o militante, sintetizam inevitavelmente o seu pensamento na obra à qual aderem. O paganismo, pela sua glorificação da natureza, dirige-se a um homem centrado e equilibrado, e finalmente, dirige-se mais ao espírito do que ao coração. Introduz o sentido da grandeza, da harmonia e da saúde pelo sentido da medida e das proporções, pelo domínio e unificação do ser trinitário espírito/alma/corpo, totalmente inseparáveis, pela cultura da beleza das formas e nobreza dos sentimentos.
Jean Vertemont, Vouloir n°142/145
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